‘Esquerda conservadora’: Jorge Messias busca aval de pastores para ser indicado ministro do STF
Cotado para uma vaga no Supremo Tribunal Federal (STF), o advogado-geral da União, Jorge Messias, vem angariando apoio de alas mais progressistas e de conservadores no segmento evangélico, que vislumbram a possibilidade inédita de dois ministros crentes na Corte. A possível indicação de Messias é defendida por lideranças evangélicas do PT, que estimulam acenos do presidente aos fiéis. Frequentador da igreja de um aliado da senadora Damares Alves (Republicanos-DF), ex-ministra do governo Bolsonaro, o atual AGU também construiu canais com aliados do ex-presidente.
O nome de Messias já foi cogitado para o Supremo em 2023, quando Lula escolheu seu ex-advogado Cristiano Zanin e o então ministro da Justiça, Flávio Dino, para duas vagas. Com a aposentadoria antecipada do ministro Luís Roberto Barroso, Messias voltou a ser citado porque, além de ser visto como alguém de confiança de Lula, também é declaradamente evangélico, segmento ao qual o governo vem tentando acenar.
Criado em lar evangélico, Messias costuma citar, em discursos durante eventos cristãos, que foi introduzido na religião por incentivo dos pais, Edna e Edson. O atual titular da AGU frequenta, desde 2016, a Igreja Batista Cristã em Brasília.
O pastor responsável pela igreja, Sérgio Carazza, chegou a ser secretário-executivo de Damares no Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, na gestão Bolsonaro. Em 2022, Carazza pediu votos para a eleição de Damares ao Senado, onde ela hoje faz oposição ao governo Lula.
Na igreja do pastor Carazza, Messias já fez parte do conselho fiscal e também atua como diácono, posto que auxilia tarefas que vão desde a cerimônia da Santa Ceia, comumente realizada uma vez por mês, até ajudar na portaria em dia de culto.
— Messias é um evangélico “raiz”. Ele é de esquerda conservadora, que defende os valores cristãos e os trabalhadores. Aqui na igreja, sempre foi atuante e dizimista fiel. Mesmo depois de ser ministro, continuava recebendo as pessoas na porta da igreja — afirmou o pastor.
Ensino religioso
O ministro da AGU tem boa interlocução com representantes mais ligados às “igrejas históricas”, como as do ramo batista e presbiteriano. Messias já foi tido por entidades como a Associação Nacional dos Juristas Evangélicos (Anajure) como um interlocutor importante no governo Lula durante as discussões, por exemplo, do Plano Nacional de Educação.
Segundo interlocutores, ele se posicionou contra a hipótese de restringir o proselitismo religioso nas chamadas “escolas confessionais”, católicas e evangélicas, alinhado à posição de lideranças de igrejas — na juventude, o ministro, que nasceu no Recife, estudou em um instituto católico em Teresina, onde os pais viviam à época.
Pessoas próximas a Messias afirmam que ele busca amparar esses posicionamentos em bases jurídicas. No caso do ensino religioso, por exemplo, o STF decidiu em 2017 que as escolas públicas podem oferecer aulas de cunho confessional, ou seja, que tratem da doutrina de uma crença específica.
— Messias sempre foi um excelente nome técnico, mas que fez questão de afirmar a identidade evangélica. Isso é importante para nós — afirmou Uziel Santana, atual diretor de assuntos internacionais da Anajure.
Messias ainda tem interlocução mais tímida com lideranças pentecostais e neopentecostais, mas também tentou criar pontes com esse grupo ao longo do governo Lula. Desde 2023, ele vem participando das edições da Marcha para Jesus, organizada pelo bispo Estevam Hernandes, da Igreja Renascer em Cristo.
Em 2023, Messias foi vaiado ao citar o nome de Lula no palco. Em 2025, fez um discurso recheado de referências religiosas e foi aplaudido ao dizer que “ama o apóstolo Estevam”. Após o evento, nos bastidores, entregou uma carta ao bispo em nome do presidente.
Mesmo entre pastores mais alinhados a Bolsonaro, o nome de Messias não gera rejeição automática. O pastor Silas Malafaia, líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, afirmou não ter interlocução com o ministro da AGU, mas descartou fazer campanha contra uma eventual indicação ao STF.
— Não vou usar o mesmo critério da esquerda, de bombardear qualquer um que for indicado. Minha divergência com ele é ideológica, mas não tenho nada contra a moral dele — afirmou Malafaia.
Caso Messias seja nomeado ao STF, será a primeira vez que a Corte ficaria com dois ministros declaradamente evangélicos. O outro integrante da Corte que professa esta religião é o ministro André Mendonça, que é presbiteriano. Mendonça foi indicado ao Supremo no governo Bolsonaro, no qual chegou a ocupar o cargo de ministro da AGU. No ano passado, Mendonça e Messias mostraram tom amistoso ao participarem de um congresso jurídico em Sergipe. O ministro do governo Lula também fez uma deferência ao antigo ocupante da AGU ao participar de uma conferência organizada pela bancada evangélica da Câmara em 2023, em Brasília. Messias referiu-se a Mendonça como “uma pessoa por quem tenho muita admiração” e “um amigo”.
Na ocasião, Messias também afirmou ter consciência que muitos dos participantes da bancada evangélica não são apoiadores de Lula, mas pediu “compreensão” e disse “orar pela vida de cada um” dos deputados.
Apoio de petistas
No ano passado, Messias participou de uma série de vídeos da Fundação Perseu Abramo, ligada ao PT, com o mote “o que pensam os evangélicos petistas”. Nos vídeos, defendeu que a laicidade do Estado é o que “garante que minha fé seja exercida com tranquilidade”. O argumento remonta ao início da presença das “igrejas históricas” protestantes no Brasil, quando frisavam a necessidade de separação entre o Estado e Igreja Católica, à época a religião hegemônica no país.
Integrantes do PT avaliam que o ministro da AGU trabalhou para se consolidar como um “meio de campo” entre Lula e as igrejas, por conseguir manter boa relação com lideranças evangélicas de perfis políticos distintos. Integrante do Movimento Evangélico Progressista (MEP), o pastor Cesário Silva, que atua numa Assembleia de Deus em Jundiaí (SP), afirmou que o nome de Messias é bem aceito por evangélicos mais à esquerda e também “por aqueles que não são progressistas”.
— Estamos, como evangélicos, todos orando para que isso (indicação ao STF) possa acontecer — afirmou.