Prêmios Nobel deste ano celebram a ciência feita sem pressa, entenda
Pelo menos três repórteres diferentes perguntaram na terça-feira a John Clarke, um dos ganhadores do Prêmio Nobel de Física deste ano, como exatamente chegamos à tecnologia como o celular de hoje a partir de sua obscura descoberta de "tunelamento quântico macroscópico e quantização de energia" há 40 anos.
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Ele nunca deu uma resposta direta. Talvez porque não exista uma, uma linha mestra fácil de traçar do laboratório para o nosso dia a dia. Muitas vezes, essa linha é o ápice de uma expertise que supera as contribuições de um ou alguns cientistas; é uma ideia aqui, um avanço ali e muitos experimentos fracassados no meio, às vezes ao longo de décadas.
Os prêmios Nobel científicos anunciados esta semana reforçam esse ponto. Todos os três prêmios — concedidos anualmente em fisiologia ou medicina, física e química — homenagearam conquistas enraizadas em pesquisas fundamentais de décadas atrás. Alguns especialistas interpretam as escolhas da Real Academia Sueca de Ciências como representativas da importância da ciência básica e lenta, um trabalho realizado com o desejo de compreender melhor o mundo.
Em uma época em que a eficiência governamental tem sido usada para justificar cortes drásticos no financiamento científico, os prêmios Nobel da ciência oferecem um caso para a curiosidade constante: a exploração esotérica e aparentemente inútil pode lançar as bases para um caminho para lugares que ainda não podemos ver.
“Não é apenas o fato de ter demorado muito tempo entre os esforços e o prêmio, mas o esforço em si foi intergeracional”, disse David I. Kaiser, físico e historiador da ciência do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. “Não são coisas para as quais possamos ter perguntas bem formuladas, muito menos respostas claras e convincentes” dentro de um prazo específico, acrescentou.
Na segunda-feira, o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina foi concedido a três cientistas que descobriram por que o sistema imunológico do corpo não ataca a si mesmo. Um desses cientistas iniciou experimentos na década de 1980 que só deram frutos significativos em 1995, e os outros dois laureados continuaram essa pesquisa até o início dos anos 2000. O conhecimento que eles revelaram levou a avanços no tratamento do câncer e se tornou a base para mais de 200 ensaios clínicos em andamento.
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"Tudo começou com a retirada do timo de um camundongo", disse Jo Handelsman, diretora do Instituto de Descobertas de Wisconsin, na Universidade de Wisconsin-Madison. "Quem imaginaria que essa seria uma ideia empolgante para o futuro da medicina?"
Clarke e outros dois físicos — Michel H. Devoret e John M. Martinis — ganharam o Prêmio Nobel de Física na terça-feira por demonstrar que duas propriedades da mecânica quântica, a teoria que descreve como o universo subatômico se comporta, podem ser observadas em sistemas visíveis ao olho humano.
Em uma entrevista coletiva naquele dia, Clarke explicou que ele e seus colegas não tinham “nenhuma maneira de entender a importância” de seu trabalho.
“Você simplesmente não sabe como isso vai evoluir, porque outras pessoas vão pegar a ideia e desenvolvê-la”, disse ele.
E na quarta-feira, o Prêmio Nobel de Química foi concedido a três químicos pelo desenvolvimento de "estruturas metal-orgânicas", estruturas moleculares porosas com área de superfície excepcionalmente alta, derivadas de experimentos realizados entre as décadas de 1980 e o início dos anos 2000. O conceito forma a base dos materiais usados hoje para tornar a produção industrial mais eficiente e para atender a necessidades do mundo real, como a coleta de água do ar em locais secos.
Décadas de pesquisa abriram caminho para a tecnologia, os tratamentos e os brinquedos do amanhã.
É prático acreditar que, quando investimos tempo ou dinheiro, ele deve ter algum retorno previsível. Mas diga isso a Agnes Pockels, uma química alemã autodidata, cujo fascínio pelas bolhas de sabão formadas ao lavar louça lançou as bases para o campo da nanotecnologia décadas após sua morte. Ou aos relatos de Isaac Newton, cujas reflexões sobre uma maçã caindo de uma árvore inspiraram uma primeira teoria da gravidade, um alicerce que eventualmente levou os humanos ao espaço.
“A pesquisa básica é de onde vêm os grandes passos”, disse Handelsman.
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Alguns benefícios vêm na forma de subprodutos mais imediatos desse trabalho. Uma análise estima que a pesquisa e o desenvolvimento não relacionados à defesa nos EUA geram um retorno de até 300% em termos de crescimento da produtividade. Outro relatório constatou que cada US$ 1 investido pelos Institutos Nacionais de Saúde, o maior financiador público de pesquisa biomédica do mundo, alimenta US$ 2,56 em atividade econômica. A busca por detectar ondulações no espaço-tempo inspirou avanços em computação, lasers, sensores e óptica.
“É sempre muito fácil demonstrar o poder da curiosidade e da imaginação olhando para o passado”, disse Robbert Dijkgraaf, presidente eleito do Conselho Internacional de Ciências e ex-diretor do Instituto de Estudos Avançados em Princeton, Nova Jersey, um centro de investigação intelectual em sua forma mais básica. Mas pode ser difícil prever exatamente como, quando ou onde, olhando para o futuro.
Paradoxalmente, “criar espaços onde as pessoas podem pensar e explorar livremente é, em certo sentido, a maneira mais eficiente de gastar seu dinheiro em pesquisa”, afirmou Dijkgraaf.
Em 1939, Abraham Flexner, diretor fundador do Instituto de Estudos Avançados, publicou um ensaio "implorando pela abolição da palavra 'uso'" e defendendo o cultivo do conhecimento científico apenas por si mesmo. Afinal, ser humano é ser curioso.
“O simples fato de trazerem satisfação”, escreveu Flexner sobre tais atividades, “é toda a justificativa de que precisam”.