Paulo Costa, do Cubo Itaú: 'Fundos não pensam mais em crescimento a todo custo'
No campo das startups, Paulo Costa, 45 anos, já jogou em diversas posições. Primeiro, foi empreendedor digital em negócios como o meuingresso.com. Depois, atuou como diretor de inovação na consultoria Accenture e trabalhou como gestor do fundo Neo Future. Essa versatilidade o conectou ao hub de inovação Cubo Itaú – fundado em 2015 pelo Itaú Unibanco em parceria com a Redpoint eventures, em São Paulo (SP) –, do qual se tornou CEO há três anos. “O Cubo foi criado com o objetivo de transformar a sociedade por meio do empreendedorismo tecnológico. Desde o começo, a intenção era conectar grandes empresas, startups e venture capital com densidade”, diz. Deu certo: hoje congrega 550 startups, que juntas tiveram um faturamento recorde de R$ 10 bilhões em 2024, e 70 companhias parceiras. Neste ano, abriu uma filial no Uruguai para atrair novos recursos e empresas de tecnologia de outros países. “Uma América Latina conectada gera valor porque atrai mais interessados, mais capital e aumenta nossa competitividade”, comenta. Em entrevista a Pequenas Empresas & Grandes Negócios, Costa fala sobre a importância das conexões para empresas nascentes de tecnologia e comenta o cenário desse mercado – do humor dos investidores à revolução da inteligência artificial (IA). Por que o Cubo investe na tese da densidade, e não só em investimento, para incentivar a inovação? O Cubo foi fundado em um momento em que o Brasil ainda estava se familiarizando com o mundo das startups. Então ocupamos esse espaço para criar densidade, ou seja, aproximar grandes empresas, investidores e empreendedores. As companhias estabelecidas viam ali uma plataforma de inovação e, aos poucos, fomos reunindo startups e novos fundos de venture capital em um ambiente de geração de negócios. Em 2019, tínhamos 120 startups e dezenas de grandes corporações. Em 2020, começamos uma jornada multicanal para conectar nossa comunidade a oportunidades de negócios independentemente de onde estivessem. Hoje, o Cubo reúne 550 startups, que podem vir de qualquer lugar do mundo. Cem delas, aliás, são estrangeiras. A densidade é importante porque empreendedores e executivos que trabalham com inovação, assim como os investidores, muitas vezes são solitários. Podem estar isolados pensando em como resolver uma dor que, na verdade, outros também têm. Quando criamos densidade, aproximamos pessoas com interesses parecidos, que compartilham tanto desafios como soluções. Se uma companhia tem um problema de tecnologia e não pode ir ao mercado falar sobre isso porque todo mundo vai saber que ela tem uma dor específica, a densidade cria um ambiente seguro para discutir desafios nessa rede de relacionamentos. Essa troca de experiência é a base de um ecossistema de inovação como o nosso. A partir dessa densidade, acontece a serendipidade, que parece ser o acaso, uma coincidência, mas não é. Os encontros e as conexões entre empreendedores, investidores e clientes acontecem porque existe uma curadoria de pessoas com interesses semelhantes. Às vezes, a forma de resolver um desafio, uma mentoria, um direcionamento de alguém que já passou por aquilo pode ser mais valioso do que o dinheiro em si. Initial plugin text Como o ecossistema de startups evoluiu no Brasil nesses dez anos de existência do Cubo? Chegamos ao momento em que os primeiros ciclos dos fundos de venture capital estão se fechando no Brasil. Um ciclo de retorno do investimento de venture capital, em geral, é de 10 a 12 anos. Eles captaram dinheiro e investiram em startups, que cresceram e foram vendidas. Ao mesmo tempo, estamos começando a ter maturidade em second time founders, empreendedores que receberam investimento, cresceram, venderam suas empresas e agora estão novamente empreendendo. Eles têm maturidade, pois já conhecem os caminhos, descobriram as melhores formas de fazer. Então o cenário brasileiro hoje está mais maduro, porque temos uma safra de empreendedores e investidores que passaram pelo vale da morte e pelo sucesso. Houve uma evolução do olhar, do ferramental, do conhecimento. Os fundos e as startups amadureceram, e as áreas de inovação das grandes companhias também. ESTRATÉGIA - “Queremos uma América Latina conectada”, diz Costa, sobre a abertura de uma filial do HUB no Uruguai Keiny Andrade Qual é o apetite atual dos fundos em relação a startups? Quanto aos fundos de venture capital, saímos de um momento de euforia em 2020 e 2021, com abundância de capital, valuation e investimentos muito altos por causa da transformação digital acelerada pela pandemia. Agora estamos corrigindo essa curva e voltando à realidade. Entendo que bons empreendedores e startups emergentes que resolvem problemas reais da sociedade sempre terão acesso ao capital. Mas hoje os fundos de venture capital estão sendo mais diligentes nas questões estruturais de uma startup. Não pensam mais em crescimento a todo custo. Você costuma ressaltar a importância do storytelling para startups atraírem investidores. O que muda com esse foco na diligência? A capacidade de contar histórias sobre como resolver um problema real agora vai ter que ser sustentada pelos números. Os dois caminham juntos. A história precisa ser bem fundamentada, e os números precisam de uma narrativa relevante, que mobilize a sociedade ou aquele mercado, que esclareça uma visão de futuro, de transformação. Para transformar um setor, os empreendedores devem mostrar que existe um problema muito claro para resolver e apresentar uma solução bem estruturada. A forma de comunicar isso continua sendo muito relevante. Os investidores estão olhando mais para inovação disruptiva ou incremental? Eu diria que, independentemente de uma inovação ser incremental ou disruptiva, os investidores valorizam seu potencial. Existem inovações incrementais que podem trazer grande retorno financeiro, principalmente com inteligência artificial. Usando tecnologias como low code ou no code [desenvolvimento de softwares com pouco ou nenhum nível de código para os usuários], uma startup pode economizar centenas de milhões de reais para empresas gigantes com inovação incremental, porque traz eficiência, agilidade e velocidade. Não é disruptiva e não muda comportamentos, mas traz ganhos. Tudo depende da estratégia do fundo. Também há os especializados em olhar para tecnologias que têm potencial disruptivo no futuro, como saúde, biotecnologia e internet das coisas. Depende muito do setor, porque, em alguns, existe uma pressão maior por disrupção. Acho que sempre existe oportunidade de inovar para trazer um ganho para a sociedade. Em qualquer área, como saúde, serviços financeiros, educação ou transporte, por exemplo, sempre vai haver espaço para a melhoria da qualidade de vida e tecnologias que nos tragam conveniência, como foi com o Uber, o WhatsApp, o iFood. Mas não é uma questão só de tecnologia; se ela não for conveniente, as pessoas não vão usar. Se for, vai explodir. O Brasil já é o país número 1 em adoção do ChatGPT. Isso mostra como os brasileiros adoram um atalho, uma solução conveniente, ágil, que facilite o dia a dia. Aderimos ao ChatGPT não porque é supertecnológico, e sim porque está ajudando. A tecnologia é desenvolvida a partir do cliente e dos problemas que temos para resolver. As que trouxerem conveniência para o mercado, seja B2B [entre empresas] ou B2C [de empresas para consumidores], farão sucesso no futuro. Os produtos que agregarem conveniência e melhor qualidade de vida vão ficar. DIFERENCIAL - “A IA está trazendo um olhar para a velocidade de entrega de produtos de tecnologia”, afirma Paulo Costa Keiny Andrade Initial plugin text Como a inteligência artificial está impactando as startups? Produtividade e eficiência estão sempre no foco das startups. Hoje podemos usar IA na engenharia de software para acelerar o desenvolvimento de produtos de tecnologia. Essas soluções estão muito atraentes no momento, porque se ganha velocidade para o marketing, para acelerar o lançamento de funcionalidades para os clientes, sem perder eficiência na produção. A IA está trazendo um olhar para a velocidade de entrega de produtos de tecnologia, o que é um diferencial. No setor financeiro, por exemplo, criar funcionalidades para aprimorar a experiência do consumidor pode trazer um retorno melhor de mercado, atrair mais clientes e melhorar o NPS [Net Promoter Score, que mede a satisfação do cliente]. As questões de cibersegurança também exigem essa velocidade, que é a palavra-chave relacionada à inteligência artificial. As startups ganham velocidade para serem mais competitivas, especialmente quando demonstram que oferecem essa proteção. A IA também permite criar soluções que transformam a humanidade. Na saúde, por exemplo, com diagnósticos mais precisos e antecipação de problemas com uso de predição, além da hiperpersonalização em massa. O mercado está muito receptivo para soluções em saúde. É uma área promissora para quem está aderindo à inteligência artificial. Além de 12 hubs dedicados a setores específicos, o Cubo tem três que são temáticos e valem para todos os segmentos – ESG, IA e cibersegurança. Por que escolheram esses temas? Independentemente do setor, esses são os desafios da sociedade neste momento – do mercado financeiro ao agro. Então esses hubs apoiam a inovação em qualquer segmento. Todos têm necessidade de acelerar a adoção de processos de inteligência artificial e novas soluções em tecnologia da informação e de cibersegurança, além de se preocupar com a proteção de dados. São três pilares que influenciam e apoiam a inovação em todos os setores. Hoje, é importante que os novos empreendedores tenham essa mentalidade desde a fundação, porque são questões fundamentais. No caso da segurança, hoje é mais barato fazer ciberataques e fraudes, então esse é um desafio que foi democratizado. Tanto as startups como as grandes empresas precisam fortalecer suas barreiras. No caso de uma startup, é preciso criar estruturas de segurança da informação desde a fundação, porque lá na frente vai ser muito caro se transformar – o que pode até ser um fator de decisão para investidores e potenciais clientes. As grandes empresas vão avaliar se a startup está preparada para proteger suas informações. No começo, os fundadores de startups só pensam em crescer e tendem a deixar a governança de lado. É natural. Eu mesmo fui empreendedor durante boa parte da minha carreira e pensava assim. Mas isso mudou. Vocês lançaram neste ano um hub de mídia e entretenimento. Por que decidiram focar nessa área? As relações de cultura, desde o consumo até como nos comunicamos com a sociedade, vêm se transformando com uma velocidade impressionante. Hoje, a dinâmica de influenciadores, da circulação de informações, de música, de filmes e de esportes se transforma junto com a tecnologia e a capacidade de transmissão e compartilhamento. Com o novo hub, queremos focar em áreas como streaming, games, publicidade e novas mídias, além da web 3.0 e da economia criativa, especialmente dos creators. E entender como as grandes marcas e os investidores se relacionam com uma nova forma de se comunicar com clientes e com a sociedade. Em 2025, outra novidade foi a abertura de uma filial em Montevidéu, no Uruguai. Qual é a estratégia por trás disso? Queremos ter uma América Latina conectada. Com mais startups de outros países, ganhamos diversidade criativa, de pensamento, para que as nossas empresas resolvam seus desafios. Além disso, trazemos mais competição para a nossa região e podemos ser mais competitivos globalmente. Já estamos com 49 startups lá e 10 empresas. Eles também vêm muito para o Brasil, então lançamos um programa de soft landing [adaptação suave] para a América Latina, que ajuda os empreendedores a se adaptarem a questões culturais para poder se desenvolver ao chegar a esses países. Quais são os planos para a próxima década do Cubo? Olha, vou seguir o meu chefe, Milton Maluhy Filho, CEO do Itaú Unibanco, e responder que não consigo falar para além de seis meses [risos]. Até porque a inteligência artificial pode mudar tudo. Em julho, a Mira Murati [ex-diretora de tecnologia] da OpenAI, que trabalhou também na Tesla, captou US$ 2 bilhões sem ter produto, receita ou roadmap [plano estratégico]. Ninguém sabe qual solução será desenvolvida – o mercado apostou na reputação dela. A Nvidia [fabricante de chips] acabou de anunciar US$ 100 bilhões em investimentos na OpenAI. Não sabemos no que isso vai dar. O que sabemos é que é essencial continuarmos apegados ao cliente, aos problemas que os empreendedores precisam resolver. A tecnologia sempre vai viabilizar essa solução, como foi com a nuvem, a blockchain, as criptomoedas. Mas também pode ser passageiro. A onda do metaverso, que veio até 2022, foi atropelada com a chegada do ChatGPT. De repente, ninguém mais fala de metaverso. Nossa ambição é ser referência global como hub. Nessa década, o Cubo deixou de ser um coworking para se tornar um ambiente mais maduro, com mais ferramental. Queremos ser ainda mais ativos, mais provocadores, mais preparados para ajudar as grandes companhias, as startups e os fundos de venture capital a crescer. Nos próximos três anos, vamos aprimorar esse olhar para a cibersegurança e reforçar o hub de mídia e entretenimento. Lançamos também uma iniciativa de deeptech para olhar o que está sendo feito em pesquisa nas universidades e nos parques tecnológicos e acelerar a ida para o mercado de ideias de cientistas, engenheiros e outros pesquisadores com profundo conhecimento técnico. E, certamente, vamos investir na dimensão social. Seguimos acreditando no poder das conexões, de ajudar as pessoas a se conhecerem para gerar negócios. Prever o que virá é difícil, mas o Cubo tem capacidade de se adaptar para ajudar a construir o futuro. Leia também