'Serial killer': universitária carioca acusada de matar 4 pessoas envenenadas retornava sem medo às cenas dos crimes
Na manhã de 11 de abril de 2025, Maria Aparecida Rodrigues não respondeu às mensagens da filha, Thayná. Por mais de duas horas, a jovem de 24 anos tentou falar com a mãe, de 49. Às 10h45, já angustiada, Thayná fez contato com a tia, Maria da Luz, que foi à casa de Maria Aparecida, no bairro Jardim Florida, em Guarulhos, na Região Metropolitana de São Paulo. A porta de entrada estava destrancada. No quarto, Maria da Luz encontrou a irmã morta, seminua, com espuma saindo da boca.
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Pediu socorro aos vizinhos e, enquanto esperavam a retirada do corpo, ela notou uma mulher perguntando o que havia acontecido ali. A desconhecida se apresentou como Carla e disse ter saído com Maria Aparecida na noite anterior, após conhecê-la por um aplicativo de relacionamentos. Carla inventou uma desculpa para estar ali àquela hora — tinha marcado pegar roupas para doação — e esperou até o corpo ser removido. No entanto, não foi vista no velório e no enterro. Maria da Luz e Thayná só foram descobrir no 1º Distrito Policial de Guarulhos, no reconhecimento oficial de suspeitos, que “Carla” era um nome inventado por Ana Paula Veloso Fernandes, presa por envenenar e matar Maria Aparecida e outras três pessoas, uma delas em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.
A aparente temeridade de a acusada do homicídio estar ali, rondando o local do crime em meio a testemunhas e policiais, se repetiu em todas as mortes pelas quais Ana Paula, uma estudante de Direito de 36 anos, responde na Justiça de São Paulo. Em menos de quatro meses, entre 31 de janeiro e 23 de maio, são quatro homicídios investigados. No primeiro deles, a universitária chega ao ponto de chamar a Polícia Militar para o local da morte de Marcelo Hari Fonseca, de 51 anos, também em Guarulhos. Maria Aparecida foi a segunda vítima.
Duas semanas depois, Neil Corrêa da Silva, de 65 anos, morre após comer uma feijoada que estaria envenenada com chumbinho — nome popular do pesticida agrícola terbufós, extremamente tóxico — em Caxias. Por este crime, também foi presa Michelle Paiva da Silva, de 43 anos, filha do idoso. As duas estavam na casa da vítima no momento em que ele passou mal.
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A última vítima atribuída até agora a Ana Paula é o tunisiano Hayder Mhazres, de 21 anos, morto após passar mal no condomínio onde morava, no bairro do Brás, em São Paulo. Também desta vez, a estudante de Direito estava ao lado da vítima: o acompanhou na ambulância até o hospital e, depois que o rapaz morreu, foi à delegacia comunicar a morte.
— Ela não parece viver em um mundo alterado e, sim, ter consciência dos atos — analisa o psiquiatra forense Talvane de Moraes, que ressalta não ter estudado o caso. — Acionar as autoridades pode ser uma forma que ela encontrou de buscar impunidade e até colocar a culpa em uma pessoa. E também pode ser uma forma dela se colocar quase como uma vítima na situação.
O delegado Halisson Ideiao Leite, do 1º Distrito Policial de Guarulhos, classifica Ana Paula no relatório do inquérito como uma serial killer que, “em caso de soltura, certamente voltaria a atentar contra a vida de terceiros”. A investigação ainda está aberta e apura se a universitária fez outras vítimas.
— É uma pessoa extremamente manipuladora. Desde o início tentou controlar a narrativa, inclusive conosco, indo à delegacia, perguntando sobre o andamento do inquérito e se apresentando sempre como vítima — explica o delegado. — Nós, como policiais, somos treinados para reconhecer esse tipo de comportamento. Por isso, a estratégia foi mantê-la por perto, deixando que acreditasse estar nos influenciando, enquanto, na verdade, estávamos estudando ela.
Leite destaca os traços da personalidade da universitária que, para ele, são típicos de um psicopata:
— Ela demonstra frieza, ausência de remorso e um prazer evidente, não só em cometer o crime, mas em permanecer ao redor dele, em ver o impacto do que fez. É alguém que parece se alimentar da sensação de enganar, de manipular e de estar no controle. Tivemos que entender essa mente criminosa para poder desmontar o jogo dela, e isso exigiu muita técnica, paciência e sangue-frio da equipe.
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Sorrisos e ligação ao 190
No caso de Marcelo Hari, ainda não está claro como ele e Ana Paula se conheceram, mas é certo que ela dividia a casa com a vítima há poucos dias, já que tinha se mudado do Rio para Guarulhos em janeiro. Pessoas próximas não descartam a possibilidade de eles estarem vivendo um relacionamento recente.
Na tarde em que o corpo de Marcelo foi encontrado, a universitária ligou para a Central 190 e disse que estava sentido um mau cheiro vindo do interior da casa. Quando a polícia chegou, Ana Paula se apresentou aos agentes como inquilina e moradora dos fundos do terreno. Disse que há dias não via seu senhorio. Imagens gravadas pelas câmeras corporais dos PMs mostram que, apesar de ter descoberto que Marcelo estava morto e “podre” — como define um policial a ela —, a universitária sorri, aparentemente despreocupada.
Aos policiais ela não contou, por exemplo, que não havia casa nos fundos. Ana Paula estava na mesma residência de Marcelo há alguns dias com seu filho e sobrinha adolescentes e o que dividia o espaço entre as duas áreas era uma tábua de madeira. No dia seguinte à descoberta do corpo, a universitária impediu a família de Marcelo de entrar no imóvel, alegando que já tinha pagado a estadia a ele, apesar de nunca ter apresentado qualquer comprovante. Ana Paula permaneceu na casa até ser presa, quando confessou formalmente ter matado Marcelo.
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A investigação mostra que Ana Paula fez outra vítima com quem se relacionou. Menos de um mês após a primeira troca de mensagens entre ela e o tunisiano Hayder Mhazres, o jovem de 21 anos morreu no saguão do prédio que morava em São Paulo após passear com Ana Paula e tomar um milk-shake. Naquela noite de 23 de maio, um funcionário do prédio chama o Samu para tentar socorrer a vítima, mas é a universitária que vai à delegacia comunicar a morte.
Em depoimento à Polícia Civil, Hazem Mhazres, irmão de Hayder, revelou que Ana Paula tentou chantagear a vítima e, posteriormente, a família dizendo que estava grávida. A mentira também teria sido contada por ela à Embaixada da Tunísia, quando tentou acompanhar o translado do corpo até o país africano para o sepultamento.
“Ela ainda afirmou que queria se casar mesmo após a morte para garantir seus ‘direitos’ como suposta viúva”, disse Hazem aos agentes em depoimento.
R$ 4 mil por morte
Dos quatro assassinatos descritos no inquérito, somente em um Ana Paula não teria qualquer relação pessoal com a vítima. Mas o padrão de continuar próximo do morto permanece. Ela e sua irmã gêmea, Roberta Cristina Veloso Fernandes, também presa, decidiram vender os serviços que chamavam de “TCC” (sigla de Trabalho de Conclusão de Curso). Segundo a polícia, cada execução custaria ao menos R$ 4 mil divididos igualmente entre elas.
Em 24 de abril, duas semanas após a morte de Maria Aparecida, Ana Paula viaja para o Rio e, segundo a polícia, tenta matar duas pessoas. O primeiro assassinato não foi consumado, mas ela conseguiu executar o segundo — o de Neil Corrêa da Silva.