causo brabo, o terror das interwebs
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Relatos do sobrenatural, os causos mais brabos das interwebs causobrabo.com.br
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expresse pra eles, necromante... expresse pra eles...
A máquina ainda zumbe. Agora entendo: não é ela que está quebrada. Sou eu. Sempre fui eu. E cada café que preparo é uma confissão que nunca tive coragem de fazer. A fila continua lá fora. Eles querem seus medos. Mas só tenho os meus para oferecer.
Os "clientes curados" nunca existiram. Pessoas viam o que queriam ver porque EU queria que vissem algo. Meu medo de ser irrelevante criou um espetáculo de relevância. Meu pavor de mediocridade gerou um café extraordinário. Ironia amarga.
Nunca foram os clientes. A máquina não lia mentes alheias. Ela amplificava a minha. Cada insegurança que enterrei profundo, cada pavor de ser comum, de falhar, de não importar. Eu projetava tudo isso em cada maldita xícara que preparava.
Então percebi: todas as manifestações eram as mesmas. Fracasso, mediocridade, perda de controle. Variações de um único tema. Não eram medos diversos de pessoas diferentes. Eram fragmentos do mesmo pesadelo. Do MEU pesadelo.
Uma noite, fiquei sozinha na cafeteria. Preparei um café para mim. Bebi devagar, esperando. Nada. Preparei outro. Outro. Dez xícaras. Todas vazias de significado. A máquina zumbia, frustrada. Por que não funcionava comigo? O que estava errado comigo?
Parei de dormir direito. Cada xícara que servia, cada medo manifestado, entrava em mim. Acumulava. A ansiedade de uma cliente se tornou minha. O pânico de outro, também. Estava me afogando em terrores alheios. Mas eram mesmo alheios?
Tentei usar outra máquina. O café saía normal, insosso. Os clientes reclamavam, decepcionados. A máquina antiga me chamava, seu zumbido ecoando na minha cabeça mesmo quando eu estava em casa. Precisava dela. Ou ela precisava de mim?
Minha cética racional estava rachando. À noite, sonhava com a máquina. Durante o dia, via os medos se materializando: sombras na espuma, sussurros no vapor. Os clientes saíam transformados ou destruídos. Eu só queria fazer café. Café comum. Previsível. Seguro.
Comecei a reconhecer padrões. Homem de terno via fracasso financeiro. Mãe jovem sentia gosto de abandono. Idoso encontrava solidão cristalizada no fundo da xícara. Impossível. Mas impossível não paga aluguel. Continuei servindo, ignorando o zumbido constante.
Em duas semanas, fila na porta. Pessoas querendo "enfrentar seus medos" através do meu café. Achei ridículo. Coincidências, psicologia barata, efeito placebo. Mas o dinheiro era real. E a máquina zumbia diferente agora. Um som quase... ansioso.
No dia seguinte, três pessoas pediram "aquele café especial". Que café especial? Preparei normalmente. Cada um recebeu algo diferente: um viu sangue na espuma, outro encontrou cabelos, a terceira jurou ter sentido gosto de terra. Todos voltaram. Todos pagaram o dobro.
EXTRAÇÃO:
A máquina começou a falhar numa terça qualquer. Nada demais: café amargo, espuma estranha. Mas a cliente olhou para a xícara e empalideceu. "Como você sabia?", sussurrou. Eu não sabia de nada. Ela saiu correndo, deixando dinheiro a mais.
Tu já viste um fantasbrócolis?
FRIEND: It's called cauliflower. It's not ghost broccoli.

ME: [taking a long drag on my cigarette] Listen kid, I know what I saw.
Afinal, o vazio não é apenas ausência. Às vezes é também fome. E eu estava vazia há tanto tempo. Talvez seja hora de descobrir do que EU posso me alimentar. A criança sorri. Ainda não entende: predadores reconhecem predadores. E eu despertei faminta.
Parei de forçar sorrisos. Minha melancolia voltou a ser escudo. A entidade me ignorou novamente. Agora via tudo claro: a criança esperando, paciente, seus olhos antigos me observando. Precisava de um novo plano. Um que não envolvesse esperança.
Um ecossistema perfeito: a entidade remove a felicidade, deixando apenas desespero para a criança consumir. E eu, idiota, tentando me tornar feliz para deter o servo. Estava me oferecendo exatamente como ela planejara. Isca perfeita.
Lembranças se reorganizaram: sua família definhando de tristeza inexplicável, amigos se isolando, o cachorro que morreu quieto num canto. A criança se alimentava de melancolia. E trouxera a entidade luminosa para "limpar" qualquer alegria restante.
A resposta estava nos olhos dela. Sempre pareceram velhos demais. Percebi as sombras se movendo ao redor dela, nutrindo-se de cada lágrima na escola, cada grito de frustração em casa. Ela não tinha um parasita. Ela ERA o parasita.
Foi quando encontrei os desenhos da criança. Símbolos estranhos, geometrias que doíam nos olhos. Não eram rabiscos infantis. Eram invocações. A criança não criara um amigo imaginário. Ela convocara um exterminador de alegria. Mas por quê?
Alegria voluntária é um oxímoro para quem vive em cinza. Mas tentei. Músicas antigas, fotos de família, memórias quentes. Forçava sorrisos no espelho. A entidade começou a me notar. Meu sacrifício seria a isca. Vulnerabilidade como arma.
A entidade ignorava minha presença, focada em caçar outras vítimas. Pela primeira vez em anos, senti algo próximo de propósito. Pesquisei, procurei respostas. Todas apontavam para a mesma conclusão impossível: precisava sentir felicidade.
Descobri então: ele se alimentava de alegria. Júbilo, esperança, qualquer centelha de luz humana. Já drenara vizinhos, colegas de escola da criança. Eu era imune. Meu vazio me protegia. Que ironia amarga: minha doença era minha armadura.