Defesas de Bolsonaro, Braga Netto e outros réus devem insistir em recursos, inclusive a cortes internacionais
Após o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ter decretado nesta terça-feira o trânsito em julgado (quando a condenação é definitiva e inapelável) do processo da trama golpista para o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais seis réus, as defesas dos condenados analisam se insistem em novos recursos, partem para cortes internacionais ou aceitam o resultado do julgamento.
Bolsonaro foi condenado a 27 anos e 3 meses de prisão em setembro pela Primeira Turma do STF. O ex-presidente já estava preso preventivamente desde sábado na Superintendência da Polícia Federal em Brasília, também por determinação do ministro Moraes, por ter violado sua tornozeleira eletrônica com um ferro de solda e pelo “alto risco de fuga”.
Além dele, foram presos nesta terça os ex-ministros Anderson Torres (Justiça), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Internacional) e Paulo Sérgio Nogueira (Defesa), além do almirante e ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos. O deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), que está foragido nos Estados Unidos, também teve prisão decretada.
Moraes também decretou o trânsito em julgado no caso do general Walter Braga Netto (ex-ministro da Casa Civil e da Defesa), que já cumpria prisão preventiva desde o ano passado em sala da 1ª Divisão do Exército, no Rio.
Os advogados de Bolsonaro haviam resolvido não apresentar, na segunda-feira, novos embargos de declaração, recursos que visam esclarecer contradições e omissões de uma decisão judicial, mas pretendiam interpor os embargos infringentes (recursos usados quando há divergência entre os votos de um julgamento colegiado) na próxima semana. Nesta terça, após Moraes ter tornado a condenação definitiva, a defesa do ex-presidente questionou a decisão monocrática.
“Tomando conhecimento da certificação do trânsito em julgado, a defesa do ex-presidente Jair Messias Bolsonaro vem informar que o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, no seu art. 333, inciso I, determina que podem ser opostos embargos infringentes da decisão não unânime da Turma, sem qualquer condicionante”, disseram em nota os advogados Celso Vilardi, Paulo da Cunha Bueno e Daniel Tesser.
A defesa de Bolsonaro mantém a intenção, portanto, de apresentar os embargos infringentes ao STF, mesmo com elevadas chances de a Corte nem sequer analisar o mérito do recurso.
O regimento do STF, segundo os advogados de Bolsonaro, “determina claramente no art. 335 que ‘Da decisão que não admitir os embargos, caberá agravo, em cinco dias, para o órgão competente para o julgamento do recurso’, ou seja, o Plenário do Supremo Tribunal Federal”.
O entendimento de Moraes e da Primeira Turma é de que, em casos julgados pelas Turmas (como o da trama golpista), embargos infringentes só são cabíveis caso haja ao menos dois votos divergentes. No caso em questão, apenas o ministro Luiz Fux, que não integra mais a Primeira Turma, votou pela absolvição dos réus do núcleo central. Dos oito réus do núcleo central da trama golpista, Fux votou para condenar apenas o ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid, e o general Braga Netto, e apenas por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
Os advogados de Bolsonaro citaram os julgamentos do ex-Presidente Fernado Collor e de Debora Rodrigues dos Santos, a mulher que pichou a estátua do STF durante os atos de 8 de janeiro, “só se certificou o trânsito em julgado após o ajuizamento dos embargos infringentes, sendo surpreendente para a defesa a certidão de trânsito em julgado, com a inadmissibilidade de um recurso ainda não proposto”.
Braga Netto
A defesa do general Braga Netto deve recorrer a cortes internacionais na busca para reverter sua condenação. Em nota, seu advogado, José Luis Oliveira Lima, o Juca, afirmou receber “com indignação a decisão que declara o trânsito em julgado da condenação” e que “é lamentável que nossos recursos tenham sido considerados protelatórios”.
Na véspera da decisão de Moraes, os advogados do militar apresentaram embargos de declaração para questionar o cálculo de sua pena, de 26 anos, e também embargos infringentes para pedir a absolvição do réu por superstas nulidades do processo.
“Se a decisão (de declarar o trânsito em julgado) for confirmada pela Primeira Turma, a Corte perderá a oportunidade de corrigir um erro na soma das penas e de enfrentar os pontos de divergência da condenação”, diz o documento.
O texto diz que a condenação de Braga Netto “é absolutamente injusta e contrária à prova dos autos” e que houve “violação sistemática ao direito de defesa” no processo.
“Seguiremos tomando todas as medidas cabíveis para defender os direitos do General Braga Netto, inclusive perante as Cortes Internacionais”, conclui a nota.
Almir Garnier
O advogado Demóstenes Torres, que representa o almirante e ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos, afirma que o militar não deverá apresentar novos embargos infringentes nem recorrer à Corte Interamericana de Direitos Humanos para tentar reverter sua condenação. O advogado afirma que considera entrar com um pedido de revisão criminal, mas não agora.
— Agora, quem tem dinheiro vai para a Corte Interamericana. Já fiz pesquisa, já consultei. Precisa de vários especialistas fora do Brasil, não adianta se aventurar (a recorrer sem respaldo técnico). É muito caro. O almirante Garnier não tem dinheiro para isso, embora (o caso) fosse bastante viável — afirmou o advogado.
Condenado a 24 anos de prisão no processo da trama golpista, Garnier foi levado para iniciar o cumprimento da pena na Estação Rádio da Marinha em Brasília (ERMB), uma instalação militar localizada na Rodovia DF-001, em Santa Maria, a cerca de 30 quilômetros de Brasília.
— Cogito pedir uma revisão criminal, mas em momento oportuno. Não vamos cair na bobagem de imediatamente propor, para o STF decidir que não cabe. Os ânimos estão exaltados e o momento é de esperar a poeira baixar — disse Demóstenes.
No caso de Garnier, Moraes considerou que não cabia a apresentação de embargos infringentes interpostos pela defesa do almirante na segunda-feira. Esse recurso visa contestar decisões desfavoráveis ao réu que não foram unânimes no colegiado. Ganier teve um voto para sua absolvição no julgamento da alão penal da trama golpista na Primeira Turma do STF, em setembro, proferido pelo ministro Luiz Fux. Apesar disso, o entendimento da Corte é que os embargos infringentes só poderiam ser apresentados quando houvesse ao menos dois votos divergentes nas turmas.
Anderson Torres
A defesa do ex-ministro Anderson Torres, condenado a 24 anos de prisão, descarta recorrer a tribunais internacionais. O advogado Eumar Novacki, que o representa, diz que deverá pedir a revisão criminal ao próprio STF. Esse instrumento está previsto no Código de Processo Penal e pode ser apresentado somente após o término da ação e dos recursos. Ele é cabível, porém, apenas em três hipóteses: quando surgem novas provas, quando a sentença for contrária à lei (ou à evidência dos autos) ou quando for baseada em depoimentos e/ou documentos falsos. Novacki diz que ainda avalia quando apresentar o pedido de revisão criminal.
Em nota após a decisão de Moraes, o advogado diz que “Anderson Torres recebeu com serenidade a comunicação do ministro Alexandre de Moraes, determinando seu recolhimento no 19º Batalhão da PM de Brasília”.
“O ex-ministro da justiça discutia com seus advogados a apresentação de recurso, cujo prazo final é o dia 3/12, quando recebeu a notícia da antecipação do trânsito em julgado e imediatamente, decidiu se apresentar no local designado para o cumprimento da pena”, afirma a nota.
Novacki lamentou “que as inúmeras provas que demostram não estar envolvido, direta ou indiretamente, com qualquer tentativa de golpe de estado, tenham sequer sido consideradas na decisão que o condenou a uma pena duríssima de 24 anos de prisão”.
Augusto Heleno
Matheus Milanez, que defende o general Augusto Heleno, afirmou em nota que tem “absoluta convicção na inocência do general Augusto Heleno” e que “diante da ilegalidade e da perseguição, nossa luta pela anulação deste processo viciado e pelo reconhecimento formal de sua inocência será incansável e intransigente”.
“É com profunda indignação que assistimos a um processo que se desvia de sua finalidade, transformando-se em um julgamento de exceção. Quando a influência política e a narrativa se sobrepõem à análise técnica das provas, o Estado de Direito é ferido. A defesa da democracia exige que as instituições sejam e pareçam justas”, diz a nota.
O general foi condenado a 21 anos de prisão.
Alexandre Ramagem
Procurado, o advogado Paulo Cintra, que representa o deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), não se manifestou.
O deputado, condenado a 16 anos, um mês e 15 dias de prisão, está foragido da Justiça. Ele está fora do país há pelo menos um mês e, segundo colegas de partido, não avisou nem mesmo seus aliados mais próximos da fuga.
A defesa de Ramagem, que também não teria sido avisada sobre a fuga, deixou de apresentar novos embargos de declaração ao STF na segunda-feira.
O deputado foi condenado em razão de sua atuação no governo Bolsonaro como diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
Paulo Sérgio Nogueira
O advogado do general Paulo Sérgio, Andrew Farias, não comenta qual é a estratégia legal dos próximos passos da defesa do militar.
“É com profunda irresignação que a defesa técnica foi surpreendida com a decisão monocrática que declarou o trânsito em julgado da ação penal, sob o fundamento do caráter manifestamente protelatório dos Embargos de Declaração”, afirmou Farias em nota.
O advogado disse que os embargos de declaração que apresentou na véspera não eram protelatórios. “Teses absolutórias levantadas pela defesa sequer foram apreciadas e o mais alarmante é que parte da pena aplicada carece da necessária fundamentação e dosimetria. Foi para sanar tais vícios que os embargos de declaração foram opostos”, diz o advogado.
A defesa do general argumenta que as penas fixadas para cada delito em seu caso somam 16 anos e 4 meses, e não 19 anos. “Aplicar ao General Paulo Sérgio uma pena de 19 anos seria uma manifesta violação à Constituição, ao Código Penal, e à dosimetria de pena realizada no próprio acórdão”, diz.
“A fundamentação das decisões é um princípio de valor fundamental para um processo penal racional garantindo a natureza cognitiva e não potestativa do juízo. Impor ao general Paulo Sérgio 2 anos e 6 meses de pena sem a devida fundamentação seria violar um princípio fundamental do regime democrático concedendo a decisão judicial caráter potestativo (não cognitivo), e consequentemente ferindo a legitimidade jurídica e democrática da função judiciária”, conclui a nota.