Celso Amorim alerta que discurso antiterrorismo pode abrir caminho a ataques na região
Em meio às tensões entre Estados Unidos e Venezuela, o assessor especial para assuntos internacionais do Palácio do Planalto, Celso Amorim, afirmou que o cenário global vive um momento de “desordem total” e demonstrou preocupação com a possibilidade de novos conflitos no continente sul-americano.
Amorim mencionou as “duas boas conversas” recentes do presidente Luiz Inácio Lula da Silva — uma por telefone e outra presencial — com o presidente dos EUA, Donald Trump, mas ponderou que “o problema vai além disso”.
— O mundo está em desordem total. Essa divisão entre narcoterrorismo e outros rótulos pode justificar ataques militares que, de outra forma, não ocorreriam. Tudo isso é muito preocupante — afirmou ao GLOBO o ex-chanceler de Lula nos dois primeiros mandatos.
Apesar do quadro, Amorim destacou que “o Brasil vai consolidando a democracia internamente, apesar das dificuldades” e se mantém como “um parceiro incontornável para todos os demais atores internacionais, num mundo muito carente de boas notícias”.
Questionado sobre a possibilidade de os EUA aceitarem o Brasil como mediador no caso da Venezuela, o ex-chanceler foi cauteloso.
— O Brasil não tem que ser [mediador]. O presidente Lula ofereceu essa possibilidade para mostrar ao presidente Trump que há saídas. Mas você só pode fazer mediação quando as partes querem — explicou.
Ele observou que Caracas tem dado sinais de interesse, “até porque está muito ameaçada”, mas duvida de que Washington aceite.
— Não sei se os Estados Unidos querem. O poder lá é muito dividido. O Trump concentra muito, mas recebe influências muito diferentes. Dá a sensação de que o Departamento de Estado está numa linha de enfrentamento.
Segundo o conselheiro de Lula, qualquer ameaça militar na região seria grave. Amorim disse esperar que, até o fim deste ano, haja algum desdobramento positivo.
— Desde 1902, não houve nenhuma ameaça de uso direto da força contra a América do Sul. Isso seria gravíssimo — ressaltou.
O diplomata lembrou experiências anteriores de mediação conduzidas pelo Brasil e citou como exemplo o Grupo de Amigos da Venezuela, criado no início dos anos 2000, com participação dos EUA.
— A essência de uma mediação é a mesma: ninguém vai ter tudo o que quer, mas também não vai deixar de ter alguma coisa que quer. Essa é a essência do processo — afirmou.
Amorim também mencionou como notícia positiva a aprovação de uma declaração do Grupo da Paz, em Nova York, coordenado por Brasil e China, voltada a negociações para o fim da guerra entre Rússia e Ucrânia. O grupo, segundo ele, reafirmou que “a paz é indivisível”.
— Você não pode pensar que vai ter paz na Ucrânia e, ao mesmo tempo, uma guerra ou um tipo de ataque na América do Sul. Tudo isso se comunica, tudo isso se contamina. Eu estou muito preocupado com tudo isso — disse.
O documento, explicou Amorim, propõe um cessar-fogo na Ucrânia acompanhado de medidas para evitar a proliferação de armas de destruição em massa.
— Os russos estavam aceitando a ideia de um cessar-fogo imediato. Mas é preciso garantir que ele não seja usado apenas para rearmar um lado — observou.
Sobre o Oriente Médio, o ex-chanceler afirmou que “não perdeu totalmente a esperança” de um avanço em direção à solução de dois Estados, Israel e Palestina, embora reconheça as dificuldades.
Após duas décadas de abandono, a base militar de Roosevelt Roads, em Porto Rico, voltou a operar como ponto estratégico dos Estados Unidos no Caribe. Desativada desde 2004, a antiga instalação da Marinha americana — com 3.500 hectares e outrora a maior estrutura do tipo fora do país — passou a abrigar novamente aviões de guerra de última geração.
A reativação ocorre em meio à intensificação das ações militares de Washington na região, movimento que fontes americanas associam a preparativos para uma possível operação direta contra a Venezuela. Nesta segunda-feira, o presidente Donald Trump afirmou que “os dias de Nicolás Maduro estão contados”, mas negou planos de envolvimento dos EUA em uma guerra aberta com o país sul-americano.
Enquanto o governo Trump amplia a ofensiva contra cartéis de drogas latino-americanos, recentemente classificados como organizações terroristas, pequenas ilhas caribenhas passaram a servir de apoio logístico para operações americanas — muitas delas em nações economicamente vulneráveis