Ucrânia e EUA alinham posições sobre plano de paz, mas Rússia ameaça boicotar nova proposta
A dois dias de um prazo dado pelo presidente dos EUA, Donald Trump, para que a Ucrânia aceite um plano para encerrar a guerra, diplomatas sinalizam que há acordo sobre os termos gerais da proposta, após intensas negociações nos últimos dias. O texto inicial, divulgado informalmente na semana passada, trazia pontos intragáveis para Kiev, como a cessão de territórios ocupados, e parecia feito sob medida para a Rússia. Mas o avanço das conversas não parece agradar o Kremlin.
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De acordo com a imprensa americana, dos 28 pontos iniciais, a nova proposta foi reduzida para 19, com alterações em trechos como a redução das Forças Armadas ucranianas, a alocação de US$ 100 bilhões em fundos russos congelados no exterior para a reconstrução do país.
Contudo, pontos mais sensíveis, como a cessão territorial das áreas ocupadas aos russos, assim como o reconhecimento dos territórios anexados — incluindo a Crimeia — como parte da Rússia precisarão ser negociados por Trump e pelo líder ucraniano, Volodymyr Zelensky.
Em entrevista em Genebra, o chefe do Conselho de Segurança ucraniano, Rustem Umerov, que representa o país em conversas preliminares, confirmou que os dois lados chegaram “a um entendimento comum sobre os principais termos do acordo discutido", e espera que os dois presidentes se reúnam já nos próximos dias.
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A proximidade de um acordo também foi ecoada pelo lado americano: falando à rede CNN, um integrante do governo de Donald Trump disse que “os ucranianos aceitaram o acordo de paz”, mas que “ há alguns detalhes menores a serem resolvidos”.
Na rede social X, Karoline Leavitt, porta-voz da Casa Branca, declarou que os dois lados “ fizeram progressos consideráveis rumo a um acordo de paz”, e que “existem alguns detalhes delicados, mas não intransponíveis, que precisam ser resolvidos e exigirão novas conversas entre a Ucrânia, a Rússia e os Estados Unidos”.
Enquanto diplomatas e representantes de Kiev e Washington demonstram otimismo, o secretário do Exército dos EUA, Dan Driscoll, conversou com emissários russos e ucranianos em Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos, em conversas marcadas pelo sigilo. Extraoficialmente, é um encontro para atualizar o lado russo sobre o que foi discutido ao longo dos últimos dias pelos EUA, Ucrânia e aliados europeus. Não se sabe em que formato ele foi conduzido, ou se os russos e ucranianos estiveram sentados à mesma mesa.
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A proposta inicial de 28 pontos trazia algumas claras demandas russas para a guerra, como a cessão dos territórios ucranianos ocupados — cerca de 20% da área do país —, seu reconhecimento internacional como parte da Rússia, limites ao tamanho das forças da Ucrânia e o veto permanente à entrada na Otan, a principal aliança militar do Ocidente, liderada pelos EUA. Não havia garantias contra uma futura invasão russa ou sobre o fornecimento de meios para que o país se defenda.
O texto foi duramente criticado por Kiev e pelos aliados europeus, que chegaram a apresentar uma contraproposta amenizando alguns dos pontos iniciais, como sobre o ingresso na Otan e preconizando que o status dos territórios ocupados deveria ser negociado futuramente. Em resposta, o assessor do presidente Vladimir Putin, Yuri Ushakov, disse que a versão alternativa “não é aceitável”, e que o Kremlin prefere a versão inicial, que teria contado com o principal negociador russo, Kirill Dmitriev, em sua elaboração.
Mesmo diante da movimentação diplomática do fim de semana, com o secretário de Estado, Marco Rubio, assumindo o protagonismo na adequação do plano aos interesses ucranianos, os russos contavam com a pouca paciência de Trump com novas negociações, e com o ultimato dado por ele a Kiev para que aceitasse a proposta até quinta-feira.
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O Kremlin disse não ter sido informado sobre as alterações, e evita fazer declarações públicas sobre a proposta. Mas nesta terça-feira, após os relatos sobre alterações no texto, o chanceler russo, Sergei Lavrov, detalhou alguns pontos inegociáveis.
— Após Anchorage, quando pensávamos que esses entendimentos já haviam sido formalizados, houve uma longa pausa. E agora a pausa foi quebrada com a introdução deste documento. Uma série de questões requer esclarecimentos — disse Lavrov em uma entrevista.
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O chanceler se referia ao último encontro entre Trump e Putin, em agosto, no estado americano do Alasca, quando o republicano sinalizou que estava disposto a reconhecer a Crimeia, anexada em 2014, e a forçar os ucranianos a recuar no Donbass, a região no leste do país que Moscou também quer anexar. Esse trecho, previsto na versão inicial do plano, é considerado inaceitável por Kiev, e Zelensky quer convencer Trump a abandoná-lo.
— Se o espírito e a letra de Anchorage forem apagados desses entendimentos fundamentais que registramos, então será uma situação fundamentalmente diferente — disse Lavrov, agora depois de uma reunião com representantes da Bielorrússia, deixando no ar a possibilidade de rejeitar o plano revisado.