Câmara aprova projeto Antifacção após 6 versões e previsão de até 40 anos de prisão contra integrantes de facção; veja principais pontos
A Câmara aprovou nesta terça-feira, por 370 votos favoráveis a 110 contrários, o texto-base do projeto de lei Antifacção. O texto é de autoria do governo, mas foi relatado pelo deputado Guilherme Derrite (PP-SP), de oposição. A iniciativa traz penas mais duras para os crimes cometidos por facções, com penas de até 40 anos de prisão, e determina a criação de novos instrumentos para combater as facções, como a criação de um banco de dados com a identificação de todos os grupos.
A Casa ainda analisa destaques, votações de trechos em separado que podem mudar partes do projeto aprovado. Após isso, a iniciativa segue para o Senado, onde deve ser relatada por Alessandro Vieira (MDB-SE), de acordo com o presidente da Casa, Davi Alcolumbre (União-AP).
O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), enumerou os pontos do relatório pouco antes de começar a condução da sessão.
– Esta será a resposta mais dura da história da Câmara dos Deputados no enfrentamento ao crime organizado. Nós estamos aumentando a pena, nós estamos criando novas tipificações de crimes, nós estamos dizendo que chefes de facções criminosas agora irão direto para os presídios federais, nós estamos dizendo que os seus despachos com advogados serão gravados e não terão visitas íntimas, nós estamos tipificando que crimes como novo cangaço, domínio das cidades, obstrução de vias, cooptação de crianças e adolescentes por facções criminosas passarão a ter penas até maiores do que tínhamos na lei antiterrorismo – declarou.
Apesar de o Poder Executivo ser o autor do projeto, o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), orientou contra o relatório de Derrite por considerar que as mudanças desvirtuam a iniciativa.
Derrite é secretário licenciado do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), apontado como possível candidato da oposição à Presidência.
O relator apresentou seis versões da iniciativa. Diante do vaivém e da possibilidade de uma nova versão ser publicada, governo e bolsonaristas se mobilizaram para influenciar o relator sobre possíveis mudanças na análise dos destaques, que podem mudar trechos do relatório principal.
Governistas estão insatisfeitos com o papel que cabe à Polícia Federal (PF) e reclamam de questões relacionadas ao financiamento da corporação, enquanto parte da oposição queria a retomada da equiparação entre os crimes praticados por integrantes de facções com aqueles cometidos por terroristas.
Esses pontos reclamados pelo governo e pela oposição não foram plenamente atendidos pelo relator e os partidos tentaram mudar por meio dos destaques.
– O governo vai encaminhar o destaque de preferência para o texto original do governo, que foi um texto compatível com a realidade de enfrentamento que precisamos ter com as facções criminosas no Brasil inteiro – disse Guimarães antes de começar a sessão.
Mesmo assim, a base do governo foi derrotada no destaque que retoma a íntegra do texto original. Ainda há, no entanto, destaques do PT para retomar trechos do projeto.
Guimarães já havia anunciado que o partido do governo tentaria mudar alguns pontos.
– Se nós perdermos, nós vamos apresentar os destaques naqueles pontos que para nós são muito importantes. Como a questão do tipo penal, nós não abrimos mão da caracterização que é a facção criminosa. Temos que melhorar a redação dos fundos que são aplicados à segurança pública porque a divisão com os estados complica aquilo que já está na legislação atual. Terceiro, o perdimento, ainda que o texto tenha avançado naquilo que é fundamental, foi não esperar o trânsito em julgado, mas nós precisamos ter uma legislação muito dura para combater o crime e prender o criminoso – comentou.
Por sua vez, a oposição pregou que os crimes de facções sejam considerados como terrorismo. O PL tentou incluir a equiparação ao terrorismo por meio de um destaque, mas a articulação foi barrada por Motta, que apontou que se tratava de matéria estranha ao projeto.
– Há congressistas aqui que acham que o Rio de Janeiro não sofre terrorismo. Estados semi-independentes, com barricadas e com governos próprios, assumem o controle do município e do estado do Rio de Janeiro; 70% do município está ocupado por milícias e pelo crime organizado – disse o deputado Luiz Lima (Novo-RJ).
Derrite nunca chegou a apresentar um relatório que classifica formalmente as facções como terroristas, mas nos primeiros textos divulgados por ele haviam mudanças que equiparavam as penas do crime organizado às do terrorismo. Ao fazer isso, o texto também promovia mudanças na Lei Antiterrorismo.
Diante de resistências da base do governo, que temia intervenções estrangeiras e risco de afastar investimentos, Derrite recuou e decidiu não mudar mais nenhum trecho da Lei Antiterrorismo.
Veja os principais pontos do projeto:
Organizações criminosas e facções
Como é hoje:
As organizações criminosas são tratadas por uma lei específica.
Crimes violentos ligados a facções, como explosões, ataques coordenados ou domínio territorial, precisam ser enquadrados em artigos esparsos do Código Penal, da Lei de Drogas ou, em raras situações, na Lei Antiterrorismo.
Não existe um marco único voltado a facções criminosas.
Com o projeto:
Surge uma lei própria para grupos “ultraviolentos”, milícias e paramilitares.
O texto centraliza definições, condutas e penas em um único marco — estruturando o que hoje está disperso em várias normas.
Aumento das penas
Como é hoje:
O crime de organização criminosa tem pena de 3 a 8 anos (Lei 12.850).
Outros crimes cometidos com frequência por facções (explosão, incêndio, bloqueio de vias etc.) têm penas menores e variáveis conforme o Código Penal.
As penas não são unificadas num só tipo penal.
Com o projeto:
Penas passam a oscilar entre 20 e 40 anos, podendo chegar a 66 anos para lideranças com agravantes.
Todos os crimes definidos no projeto são considerados hediondos.
Cumprimento da pena e progressão de regime
Como é hoje:
Para crimes hediondos, os percentuais de progressão de regime dos presos variam conforme primariedade (se já cometeu ou não crimes anteriormente), resultado e legislação aplicável.
Em geral, os percentuais são menores do que os que o projeto passa a exigir.
É possível livramento condicional — mecanismo que antecipa a liberdade do condenado — em alguns casos.
Transferência de presos para presídio federal depende de decisão judicial específica.
Com o projeto:
Progressão pode exigir 70%, 75%, 80% ou 85% do cumprimento da pena em regime fechado, conforme o tipo do crime e as circunstâncias.
Não permite o livramento condicional em várias hipóteses previstas.
Líderes e membros estratégicos cumprem pena obrigatoriamente em presídio federal.
Confisco de bens antes da condenação
Como é hoje:
A regra geral é que o perdimento definitivo exige condenação ou ação civil específica.
Existe a “perda alargada”, mas também depende de processo e comprovação judicial.
O confisco prévio é limitado e geralmente provisório.
Com o projeto:
O juiz poderá decretar o perdimento definitivo ainda no inquérito, quando houver risco de dissipação e indícios de origem ilícita.
A amplitude do confisco aumenta (criptomoedas, ativos digitais, empresas etc.).
Papel de Receita e Banco Central
Como é hoje:
Receita Federal e BC têm regras próprias de perdimento administrativo (leis aduaneiras e regulatórias).
Há discussão jurídica quando medidas administrativas e judiciais se sobrepõem.
Com o projeto:
O texto deixa expresso que as medidas do projeto não anulam o perdimento administrativo já previsto nos regulamentos dos órgãos.
Garante continuidade da atuação da Receita e do BC mesmo com processos judiciais paralelos.
Destinação dos bens apreendidos
Como é hoje:
O destino dos bens depende da legislação aplicada (Lei de Drogas, Lei do Crime Organizado, legislação de lavagem etc.).
Não existe um sistema único específico para facções.
Com o projeto:
Quando a investigação for estadual, os bens irão para o fundo de segurança do estado ou do DF.
Quando houver participação da Polícia Federal, a parte cabível irá para o Fundo Nacional de Segurança Pública — e não mais para o Funapol, como previa versão anterior.
O projeto cria um esquema padronizado de repartição.
Tribunal do Júri
Como é hoje:
Todo homicídio doloso é julgado exclusivamente pelo Tribunal do Júri, sem exceção.
Mesmo homicídios ligados a facções seguem essa regra.
Com o projeto:
Homicídios cometidos no contexto dos crimes definidos no projeto serão julgados por varas criminais colegiadas. A justificativa para a nova regra é risco de intimidação de jurados.