Por que Dua Lipa e Shawn Mendes enxergam um Brasil que o chanceler alemão não conseguiu ver?
Existe aquela regra universal: a gente pode falar mal da própria mãe, do irmão, da família... Mas não venha um desconhecido cometer essa afronta. Foi exatamente o que fez o chanceler alemão Friedrich Merz após sua passagem pelo Pará, durante a COP30. De volta ao seu país, declarou publicamente a compatriotas, num evento: “Nós vivemos em um dos países mais bonitos do mundo. Perguntei a alguns jornalistas que estiveram comigo no Brasil na semana passada: ‘Quem de vocês gostaria de ficar aqui?’. Ninguém levantou a mão. Todos ficaram contentes por termos retornado à Alemanha, especialmente daquele lugar onde estávamos’’. Uma frieza típica, que nem o caloroso povo de Belém é capaz de derreter. Ele queimou qualquer regra básica de diplomacia. Poderia até fazer um cursinho com a inglesa Dua Lipa ou com o canadense Shawn Mendes. Pagodeando por aí, os dois cantores viraram até memes, com torcida para ganharem CPF.
Tem uma deselegância que dinheiro e um terno alinhado não resolvem. Tipo a do chanceler. É a da falta de sensibilidade, da inadequação constrangedora. Ele realmente achou razoável dizer isso ocupando tal cargo? Ou lhe faltaram compostura e responsabilidade? Porque ele não fala só por si, representa uma nação. E veja, não digo que ele tenha mentido sobre o seu país. Do pouco que conheci da Alemanha, achei um país belíssimo, surpreendente. E, mesmo que algo me descontentasse, provavelmente não seria isso que eu relataria a outras pessoas. Ainda que tenha minhas preferências, viajo e visito os lugares disposta a gostar deles. Sabe aquela indicação de traje apropriado para a ocasião? Nada é mais chique do que despir-se, mesmo que momentaneamente, do próprio modo de viver para enxergar outras culturas, outras realidades, outras riquezas que não constam no PIB.
Quando visitei o Pará, o suor escorria teimoso por debaixo da roupa, e eu não gosto de calorão. Mas as minhas lembranças de lá têm diversas cores, sabores, sons. É um privilégio enxergar a beleza única de cada lugar, povo e pessoa. E muitos são incapazes disso. Os infelizes. Geralmente tipos que carregam alguma arrogância, reclamam de tudo, não compreendem a realidade além do próprio umbigo.
O mundo está cheio dessa gente. Que jamais sujaria o pé andando descalça no Centro de São Paulo, como Shawn Mendes. Que só sabe elogiar caviar e perde a oportunidade de provar a suculenta picanha com caipirinha do Braseiro da Gávea, como fez Dua Lipa.
No último fim de semana, juntamos um grupo de amigos que há tempos não se encontrava. O almoço começou despretensioso, mas os brindes se multiplicaram, e o tom de voz também. Rimos muito. Ao nos levantarmos pra irmos embora, a senhora da mesa ao lado fez sinal de oração com as mãos, agradecendo nossa saída: “Graças a Deus, vocês gritam demais’’. Fiquei desconcertada com tamanha grosseria. Se tivesse nos abordado com educação, teríamos dado razão a ela. Por alguns minutos, lamentei por não ter respondido à altura. Mas a indignação durou pouco. Emendamos em outro bar, gargalhamos e ainda chamamos a atenção uns dos outros: “Fala baixo, vocês estão gritando demais’’.
Contra os infelizes, façamos barulho. E que eles voltem para suas casas em paz.