Dentro da cidade 'só para brancos' na África do Sul: muros altos, triagem rigorosa e acusações de racismo
A 20 minutos da capital sul-africana, Pretória, uma cidade de 1.500 moradores mantém portas e muros fechados para quase todos os não brancos. Kleinfontein, fundada em 1990, exige que qualquer novo morador passe por entrevistas e testes rigorosos de origem étnica, religião e domínio da língua africâner.
O vilarejo se define como um “refúgio cultural afrikaner”, reunindo descendentes de colonos holandeses, franceses e alemães. Mas autoridades locais e ativistas acusam a comunidade de discriminação racial, sob o pretexto de preservar tradições.
O vice-presidente da cidade, Dannie de Beer, diz que os brancos são uma minoria perseguida no país: “Eles estão sendo assassinados nas fazendas. A violência no país está fora de controle.”
Moradores praticam tiro esportivo em Kleinfontein
AFP
Segundo ele, dentro de Kleinfontein “a criminalidade nunca chegou” e todos falam africâner. Apesar de negar que a comunidade seja racista, na prática, só pessoas brancas vivem ali. Sobre a entrada de moradores negros, ele admite:
“Pode ser que um dia alguém de cor apareça dizendo: ‘Falo africâner, sou cristão e compartilho dos valores afrikaners’. Pode acontecer, mas ainda não aconteceu.”
A entrada da cidade é marcada por uma estátua de Hendrik Verwoerd, ex-primeiro-ministro considerado o “pai do apartheid”. Para se tornar residente, candidatos devem falar africâner, ser cristãos e compartilhar os valores da comunidade.
Estátua de Hendrik Verwoerd, considerado o “pai do apartheid”
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“Se você não fala africâner e é muçulmano ou hindu devoto, dificilmente se encaixará aqui”, afirma De Beer.
Mas o discurso oficial de preservação cultural contrasta com a história de alguns fundadores. Jan Groenewald, co-fundador de Kleinfontein, já foi número dois do Movimento de Resistência Afrikaner, grupo neonazista responsável por ataques a negros nos anos 1980. Ele afirma ter abandonado a violência em 1989, mas ainda defende a ideia de um Estado afrikaner independente.
“Para se candidatar a morar aqui, é preciso parecer um bôer africâner”, disse Groenewald em entrevista à AFP.
Crianças participam de cabo de guerra em festas tradicionais
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A vida na comunidade é marcada por rotinas próprias: escola, banco, lojas e até reservatório de água. Crianças loiras participam de corridas de saco e cabo de guerra nas festas da colheita, vestindo roupas cáqui típicas.
“Se meu filho anda pela vizinhança, quero que ele conviva com pessoas que tenham os mesmos valores e a mesma forma de ver o mundo”, disse Sune Jansen van Rensburg, 21 anos, que se mudou com os pais após uma tentativa de assalto em Pretória.
Kleinfontein enfrenta problemas com a Justiça. Em 2024, o Tribunal de Gauteng considerou o assentamento ilegal, porque está em área rural sem autorização residencial. O município exige que moradores paguem taxas até 300 vezes maiores. De Beer chama a medida de perseguição política.