Justiça cita mudanças climáticas e suspende licença de projeto de mineração no mesmo local da tragédia de Mariana
A justiça federal suspendeu, nesta sexta (19), a licença ambiental do Projeto de Longo Prazo, da mineradora Samarco, que pretende ampliar a instalação de barragens, pilhas de rejeito, e a extração mineral no mesmo complexo onde ficava a barragem de Fundão, cujo rompimento resultou na tragédia de Mariana (MG), há 10 anos. Ao mencionar as mudanças climáticas, a juiza Patricia Alencar Teixeira de Carvalho determinou a realização de estudos complementares sobre análises de risco, vulnerabilidade e adaptação climática, para o empreendimento ser liberado.
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A mineradora Samarco, que era a responsável pela barragem do Fundão, foi autorizada pelo governo de Minas a ampliar sua atividade no chamado Complexo Minerário Germano, localizado entre as cidades de Mariana e Ouro Preto. A licença ambiental foi concedida em julho desse ano, mas logo foi contestada, na justiça, por moradores de Bento Rodrigues - distrito de Mariana devastado pela tragédia de 2015 - representados por advogados do Instituto Cordilheira.
Segundo os advogados, essa é a primeira vez que um projeto de mineração em Minas Gerais é paralisado por uma decisão judicial que reconhece os riscos trazidos pelos eventos extremos climáticos. A justiça determinou que o estado de Minas exija da Samarco estudos complementares sobre projeções de cenários de eventos climáticos extremos, intenvário de emissões de gases de efeito e estufa e medidas de adaptação de resiliência climática.
Na sentença, a juiza federal Patricia Alencar Teixeira de Carvalho destacou que o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) apresentado no processo incluía dados históricos de precipitação, "ignorando a necessidade de integrar cenários futuros de mudanças". O Ministério Público Federal também foi favorável à suspensão da licença.
"O licenciamento em referência envolve atividade com riscos extremos (ponderáveis e imponderáveis), sendo altamente recomendável a realização de todos os estudos que possam (hipoteticamente) apontar alguma vulnerabilidade futura", diz a sentença.
'Marco da justiça climática'
Os moradores da região alertam que o regime de chuvas hoje já é muito diferente de 10 anos atrás, e se preocupam com o risco da barragem de rejeiros não estar segura sem a devida avaliação do novo cenário climático.
Monica Santos, moradora de Bento Rodrigues, também criticou o fato do processo de reparação pela tragédia de Mariana ainda não ter sido concluído.
-- A suspensão da licença é uma conquista diante de um crime que segue sem reparação. Quem destruiu vidas e territórios não pode avançar sem garantir a não repetição. Os estudos apresentados ignoram as ações de enfrentamento à crise climática e os riscos que ela impõe, tratando o licenciamento como mera formalidade.
Para o advogado Guilherme Souza, que representa os autores da ação, a liminar é um "marco da justiça climática".
-- O Judiciário deixou claro que não é admissível analisar e autorizar empreendimentos de alto risco sem enfrentar, de forma séria e científica, os efeitos das mudanças climáticas.
No processo, a Samarco alegou que a paralisação desse empreendimento poderia inclusive compeometer as reparações do caso de Mariana, por questões financeiras. Além disso, a empresa também argumentou que as fases críticas de operação (disposição de rejeitos) só se iniciam entre 2029 e 2030.
Mas a juiza afimou que a "fase de instalação – que envolve supressão vegetal (1.467,3961 hectares autorizados), construção dos TCLDs, terraplenagem e implantação dos platôs das pilhas PDER-M e PDER-C – já representa uma ameaça concreta".