'Não podemos naturalizar essa cena', diz Lilia Schwarcz sobre imagem de criança na operação no Tabajaras
Em publicação nas redes sociais, professora reforça impacto e perpetuação da violência Membro da Academia Brasileira de Letras, a antropóloga e historiadora Lilia Schwarcz, professora da USP e da Universidade de Princeton (EUA), comentou em suas redes sociais a operação da Polícia Civil realizada na Ladeira dos Tabajaras, nesta terça-feira. Em sua publicação, ela destacou a fotografia feita por Márcia Foletto, do GLOBO, que registrou o momento em que uma jovem cobre os olhos de uma criança diante de um corpo que é carregado por agentes. Sobre a foto, a imortal escreve "De olho nesta foto triste que é a cara de um Brasil que parece não querer mudar". Já no texto, Lilia Schwarcz afirma querer “olhar para essa foto e não permitir que seja naturalizada”.
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Na operação que tinha como objetivo prender os responsáveis pela morte do policial João Pedro Marquini, cinco pessoas foram mortas e duas foram presas em flagrante por tráfico. Marquini era agente da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) e marido da juíza Tula Mello.
Os corpos dos mortos na operação passaram por perícia e começaram a ser removidos da favela por volta das 13h. O último a ser levado da comunidade foi o de um jovem ainda não identificado. Foi a retirada desse corpo que Márcia Foletto fotografou, registrando o momento em que uma jovem tentava proteger o olhar de uma menina diante da cena.
"Marcia Foletto publicou hoje no GLOBO uma foto doída de triste, mas a cara desse Brasil", começou ela na publicação. Ao fim, reproduziu um questionamento da jornalista Dorrit Harazim, também colunista do jornal: "Será que essa história algum dia muda?".
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'É instintivo proteger a criança', diz fotógrafa
A cena da menina com os olhos cobertos aconteceu na Rua Real Grandeza, em Botafogo. Quem conta é a fotógrafa do GLOBO Márcia Foletto, que a registrou:
— No lado de Copacabana, (o clima) estava absolutamente normal. Mas paramos em frente ao cemitério e as pessoas com quem a gente conversou estavam bem tensas, porque tinha tido muito tiro. Fomos andando, para próximo do túnel, e um morador falou que subiram carros de polícia. Achamos que estava relativamente seguro: andamos mais um pouco, fizemos a primeira curva e encontramos um colega, que avisou que tinha um corpo naquela viela — relata Márcia, que, àquela altura, sabia que havia mortos, mas não quantos, nem onde.
No local em que chegaram, por volta das 12h30, havia grande presença de policiais da Core. No ponto, funcionava uma boca de fumo anteriormente. Na parede, havia inscrita a palavra "Deus", assim como um quadro de Jesus Cristo, enquanto o corpo estava coberto — as primeiras fotos, inclusive, foram feitas sem que o corpo aparecesse, enquanto a perícia era aguardada. Márcia Foletto conta que as vielas estavam vazias na maior parte do tempo, mas que muitas crianças com uniforme escolar passaram pelo local. Quem precisava acessar uma escadaria atrás do morto era impedido de passar, como uma criança, escorada na parede, que ficou aguardando.
Durante as três horas no local, houve um momento em que foram ouvidos tiros, disparados de outra localidade. Moradores correram para dentro de casa, enquanto os policiais da Core levantaram os fuzis, como reação. Uma mulher que chegou ao lugar se apresentou como parente do morto e conversou com os policiais, antes de o corpo ser retirado. Enquanto a menina da foto teve o rosto coberto, tantas outras crianças passaram pelo local e podiam observar a cena atentamente.
— A gente não tem ideia do trauma disso na vida de uma pessoa. Então é instintivo para uma mãe ou uma parente proteger a criança (de ver o morto). Eu faria o mesmo — conclui a fotógrafa.