'Sleepmaxxing': Conheça trend que virou obsessão nas redes em busca pelo sono perfeito
O excesso de preocupação sobre dormir bem pode acabar transformando a prática natural em uma tarefa estressante É hora de dormir. Mas não sem antes meditar, tomar suplementos, comer um kiwi, programar o relógio para monitorar o sono, espalhar cheirinho de lavanda, regular a temperatura do quarto, ligar o aparelho de sons relaxantes e luzes suaves, acionar o travesseiro com massageador, passar creme facial, espirrar óleo noturno no cabelo, ajustar a touca na cabeça, a máscara nos olhos e outras tantas medidas que vêm sendo disseminadas pelas redes sociais. A trend de otimizar ao máximo as horas na cama à noite tem nome. Sleepmaxxing significa lançar mão de práticas e gadgets para atingir o sono perfeito, além de aproveitar para adotar rotinas próprias de beleza. Caiu no gosto da geração Z, viralizando com milhões de postagens no TikTok. Mas será que precisa de tanto?
O excesso de preocupação sobre dormir bem pode acabar transformando a prática natural em uma tarefa estressante. Especialistas já até batizaram a obsessão pelo sono perfeito de ortosonia.
“O hipercontrole pode ser um gerador de ansiedade, que é justamente a emoção que mais atrapalha o sono”, explica a psicóloga Daniela Faertes, pós-graduada em neurociências: “Essa onda mostra um comportamento muito comum dos tempos atuais, em que tudo vira mania, obstinação. E não há paciência para apostar em hábitos simples e colher os resultados ao longo do tempo. É uma sociedade imediatista”.
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Médica do sono e otorrinolaringologista colaboradora do Laboratório do Sono da UniRio, Maíra da Rocha conta que tem sido comum pacientes a procurarem preocupados com gráficos, números e pontuações revelados em relógios inteligentes.
“A tecnologia monitora quanto tempo a pessoa dormiu, quais foram os estágios do sono, mas a maioria dos algoritmos não são tão precisos assim. Muitas vezes, em uma conversa identifico sinais de que está tudo bem, o sono está reparador”, esclarece Maíra.
Foi o que aconteceu com a designer Mariana Borges, que passou a olhar seu relógio em qualquer acordada durante a noite, checando se já havia atingido a fase REM, de sono profundo, fundamental na consolidação da memória e na regulação emocional, por exemplo.
“A gente nem se dá conta, começa como uma brincadeira e quando vemos já estamos meio obcecadas. Eu precisei de ajuda para entender que estava me atrapalhando. Acabava despertando quando olhava a tela na madrugada”, relata Mariana.
Além de relógios, há aplicativos e até anéis monitores, que se juntam a um arsenal de acessórios de sono disponíveis no mercado. Maíra da Rocha pede cautela no uso de melatonina sem orientação médica (“pode desregular tudo e provocar até sono excessivo por residual”) e condena fitas para fechar a boca e dilatadores nasais para respirar apenas pelo nariz — outras práticas do sleepmaxxing: “Tem chance de sufocar, um perigo!”.
Não à toa, a indústria mundial de produtos do sono está em franca expansão — um setor avaliado em aproximadamente US$ 432 bilhões em 2024, de acordo com dados da Statista. Na área da beleza, creminhos noturnos também se multiplicam, de marcas populares às mais luxuosas.
Uma delas, Estée Lauder anunciou recentemente a contratação de um renomado cientista e professor britânico de neurociência da Universidade da Califórnia, Matthew Walker, como o primeiro consultor mundial de ciência do sono da marca.
O dermatologista Daniel Coimbra, da Clínica Onne, explica que o skincare noturno faz sentido porque aproveita o período em que a pele está mais permeável e menos exposta a agressores ambientais, como poluição e radiação UV. Indica uma boa limpeza e a aplicação de ativos específicos, como retinoides e ácidos esfoliantes, para potencializar os mecanismos fisiológicos de regeneração. Mas observa um exagero evidente nos rituais postados nas redes.
“A maioria é mais performática do que realmente eficaz. O excesso de produtos e artifícios pode até atrapalhar, causando irritações ou sobrecarregando a barreira cutânea”, diz o médico.
Mas nem tudo é caos. Também há um consenso de que, em tempos de telas eletrônicas em alta e dificuldade de relaxar à noite, a atenção voltada ao sono tem um lado positivo.
Muitos conteúdos acabam divulgando informações relevantes sobre higiene do sono, listando hábitos que realmente fazem diferença. Entre eles, praticar exercícios físicos regularmente, afastar-se de telas pelo menos uma hora antes de dormir, deixar o quarto escuro, silencioso e com temperatura agradável, e sempre se expor à claridade natural ao acordar para regular o relógio biológico interno.
”A maioria das pessoas da população adulta precisa de sete a nove horas de sono para ficar bem”, afirma Maíra: “Não deveríamos necessitar de tanto esforço para dormir. A tecnologia é benéfica, precisamos aprender a lidar com ela”.