Onde Elis se casou, Evita almoçou e Harrison Ford quase se perdeu: restaurante Os Esquilos, na Floresta da Tijuca, faz 80 anos
No Alto da Boa Vista, onde o sinal de celular some entre as árvores e o verde fecha a estrada em túneis naturais, um casarão colonial abre as portas, neste fim de semana, para celebrar oito décadas de história. Logo na entrada, uma exposição com 80 peças — fotos, menus desenhados à mão, objetos de época e registros de visitantes ilustres — apresenta parte do acervo que a família Busca conseguiu resgatar após meses de pesquisa. É o retrato de um patrimônio afetivo que se mistura à própria memória do Rio.
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No restaurante Os Esquilos, nomes como Frank Capra, Evita Perón, Elis Regina, Milton Nascimento, Tom Jobim, Luisa Brunet, Mariana Ximenes, Fábio Assunção, Harrison Ford, Herson Capri, Regina Duarte e muitos outros aparecem ao lado de clientes anônimos. A cena é quase sempre a mesma: lareira acesa, chão de madeira que range, esquilos cruzando o jardim e o som de araras vindo de dentro da mata. O acesso é um pouco demorado, a estrada exige atenção, mas quem chega tem a sensação de entrar num refúgio, um lugar onde o tempo desacelera e a cidade parece distante.
Anna Paola (à direita), filha do fundador do restaurante, com a filha Valentinna Busca Xavier e o marido, Luiz Eduardo Xavier: eles formam o trio que hoje comanda Os Esquilos
Divulgação/João Mário Nunes
A história da casa começa muito antes de a cozinha entrar em operação. O imóvel foi residência do Barão Gastão de Escragnolle, personagem importante na história da Floresta da Tijuca e ligado a Dom Pedro II. Décadas depois, em 1942, o casarão chamou a atenção de um italiano recém-chegado de Turim: Hugo Busca, conhecido por organizar jantares impecáveis para a elite carioca. Dois anos depois, ele se encontrou com Getulio Vargas; no ano seguinte, recebeu do presidente a concessão que transformaria oficialmente o espaço em restaurante.
— Essa confiança foi determinante para que tudo existisse — afirma Anna Paola Busca, filha do fundador e atual proprietária, que assumiu a casa após a morte do pai, em 1986.
Desde a concessão, a casa se consolidou como ponto de encontro de artistas, políticos, intelectuais e famílias que viam no Alto da Boa Vista um refúgio para celebrar. Entre os frequentadores ilustres esteve o próprio Getulio Vargas, que costumava se reunir ali com amigos e, mais tarde, com Virgínia Lane — segundo a artista, este é o lugar onde teria começado o relacionamento entre os dois. O fato é que o espaço testemunhou um dos romances mais conhecidos do então presidente.
Brochete de camarão e arroz à grega compõem o menu comemorativo, que tem ainda pudim e martíni
Divulgação/João Mário Nunes
Esse é apenas um dos registros presentes na exposição. Anna conta que boa parte da história se perdeu ao longo do tempo.
— É um acervo vivo — define Anna. — Muita coisa desapareceu de vez, mas muita coisa reapareceu.
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Entre as memórias preservadas está uma mais recente: a de Carolina Justi, fisioterapeuta, que se casou no local em 2014 e acabou deixando ali um objeto que, sem imaginar, se tornaria parte definitiva do cenário do restaurante.
— Uma amiga fez o batizado da filha lá e Os Esquilos entrou na minha vida — lembra Carolina. — Quando entrei pela primeira vez, senti uma vontade enorme de fazer uma cerimônia ali. Nem pensava em oficializar (a união) ainda, mas o lugar me marcou.
Anos depois, quando ela e o marido decidiram se casar oficialmente, não houve dúvidas.
Logo na entrada, foi montada uma exposição com 80 relíquias
Divulgação/João Mário Nunes
— O restaurante foi o primeiro e único que procurei. Queríamos algo pequeno, único, íntimo. E aquele ambiente já tinha tudo isso — conta.
A sogra de Carolina, habilidosa no artesanato, pintou à mão peças extras da decoração — entre elas, uma placa com as “Regras para um casamento feliz”, que incluíam beijar, abraçar, elogiar e perdoar.
— Decidimos deixá-la na saída. E virou um sucesso — conta. — Fiquei muito feliz quando soube que ela passou a fazer parte do restaurante.
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A relação com o espaço cresceu junto com a família. Algum tempo depois, Carolina voltou para batizar o filho, hoje com 9 anos, que nasceu com síndrome de Down, o que foi descoberto apenas no parto.
— O batizado foi muito emocionante. A cerimônia foi mágica — diz.
Aniversários e outras celebrações vieram na sequência, criando uma verdadeira linha do tempo familiar dentro do restaurante. Um movimento comum ali, segundo Anna:
— É emocionante ver famílias que voltam geração após geração, gente que diz: “Venho aqui desde criança”.
Essa mistura de memória e permanência também aparece nas assinaturas do livro de clientes. Evita Perón almoçou ali em 1947, e o menu ilustrado desse dia segue preservado. Elis Regina e Ronaldo Bôscoli celebraram o casamento no local após oficializar a união na singela Capela Mayrink (1855), ali perto. O restaurante também virou cenário de gravações do programa da TV Globo “Estrelas”, recebeu atrizes como Malu Mader, Mariana Ximenes, Luiza Brunet e Sophie Charlotte e foi frequentado por nomes como Fábio Assunção, Minotauro e Helena Ranaldi. Milton Nascimento esteve ali no casamento do filho de Tunay. Tom Jobim passou pela casa, embora o registro exato tenha se perdido com o tempo.
E há episódios curiosos, como o dia em que Harrison Ford apareceu. Ele pediu um prato típico brasileiro — frango, arroz e feijão — antes de seguir para uma trilha próxima.
— O pessoal achou até que ele havia se perdido na floresta — conta Anna.
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A permanência do restaurante ao longo das décadas também passa pela cozinha. O cardápio mudou pouco, preservando o estilo das décadas de 1950 e 1960. Entre as especialidades estão o medalhão ao molho roquefort, o steak au poivre, o salmão ao molho de maracujá e o tradicional fondue — especialmente disputado nos dias em que a temperatura no Alto da Boa Vista chega a até nove graus abaixo do restante da cidade. Para o fim de semana de comemoração, a casa prepara um menu especial com brochete de camarão, arroz à grega, pudim de leite e dry martíni (R$ 187 + 10%).
Essa combinação de gastronomia, memória e natureza aparece já na chegada ao casarão, onde tucanos, cotias, borboletas, macacos e, claro, esquilos circulam livremente pelo terreno.
— Meu pai costumava brincar que trocou os Alpes piemonteses pela Mata Atlântica — conta Anna, sorrindo. — Dizia que os dois tinham o mesmo charme de montanha. Nasci em 1962, quando o restaurante já tinha 17 anos, e guardo vivas as lembranças da gente correndo pelo jardim e dos almoços de domingo, cheios de riso e cheiros que marcaram minha infância.
Ela também recorda o fogão a lenha e a maneira atenciosa com que o pai recebia cada cliente:
— Tenho certeza de que ele sentiria um orgulho imenso ao ver que o sonho que começou continua vivo, crescendo e se renovando com a mesma paixão.
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Manter um restaurante dentro de um parque nacional, afirma, é um privilégio que exige cuidados constantes.
— As questões de preservação, logística, acesso e até do clima sempre demandaram muito trabalho. Mas a maior recompensa é ver que Os Esquilos virou um lugar de memória afetiva para tantas famílias. Nosso sonho é que a Floresta da Tijuca seja cada vez mais valorizada. Quem sabe chegar aos 100 anos na terceira geração? Estamos estudando projetos de turismo cultural e gastronômico, sempre com respeito ao meio ambiente — afirma ela.
Entre as 80 peças da exposição comemorativa, Anna destaca uma foto que reúne três gerações da família: “O retrato do legado, do sonho e da coragem que deram origem a essa história”.
Hoje, ao lado do marido, Luiz Eduardo Xavier de Souza, e da filha, Valentinna Busca Xavier de Souza, ela conduz o restaurante que nasceu do pioneirismo de seu pai. Juntos, os três planejam ampliar iniciativas voltadas ao turismo cultural e à educação ambiental — um caminho natural para quem vive no coração da floresta.
— Acreditamos na importância da mata para o Rio. Queremos chegar aos 100 anos sendo parte viva dessa história — diz.
Anna resume o que move a família desde o início:
— Nosso maior objetivo é que as pessoas comam bem e levem daqui lindas lembranças.
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