‘Vazio’ depois vitória: como manter a motivação de crianças e adolescentes no esporte após conquistarem seus objetivos
Vencer uma competição costuma ser o objetivo de boa parte de crianças e adolescentes que participam de esportes. A meta é importante: ajuda a traçar estratégias, a manter a consistência nos treinos e, quando alcançada, funciona como uma recompensa para todo o esforço feito durante aquela temporada. Mas e depois? Para muitos jovens, esse momento de euforia dá lugar a dúvidas e até a mesmo uma sensação surpreendente de desorientação.
— Quando temos um objetivo que perseguimos e nos dedicamos muito é natural, ao chegar lá, sentir um certo “vazio”. Ao mesmo tempo que é muito gratificante, vem aquele pensamento de “e agora, qual o próximo passo?”. É uma euforia e uma descarga emocional muito grande que pode gerar um sentimento de falta de propósito — diz o professor de Psicologia do Esporte da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Raphael Zaremba.
De repente, o objetivo que demandou meses, por vezes anos, de foco e determinação virou realidade, e a pessoa já não sabe o que fazer a partir dali. Esse efeito pode ser explicado pela psicologia e pela neurociência, conta Liliane Guimarães, psicóloga do Departamento de Ortopedia e Medicina Esportiva da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/UNIFESP):
— É um fenômeno que pode ser explicado pela Teoria da Autodeterminação, enfatizando que quando a motivação de um atleta é predominantemente extrínseca, ou seja, voltada a recompensas externas, a satisfação tende a diminuir após o alcance da meta, já que o estímulo principal desaparece. Do ponto de vista neuropsicológico, o sistema dopaminérgico tende a estar mais ativo durante a busca do objetivo do que após sua conquista, o que explica a queda natural na sensação de prazer e engajamento.
No caso dos mais jovens, lidar com esse sentimento é ainda mais desafiador, afirma a psicóloga clínica e esportiva Fernanda Faggiani, professora dos cursos de Psicologia e Educação Física na Escola de Ciências da Saúde e da Vida da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS):
— Estamos falando de indivíduos que ainda estão no processo de constituição da sua identidade, com uma menor maturidade emocional, bastante oscilação do humor e de questões relacionadas ao comportamento. Outro fator que pode estar relacionado é uma certa ansiedade gerada com essa ideia de “sucesso” e um medo de não conseguir repetir esse resultado e decepcionar outras pessoas. O que é muito presente especialmente entre jovens devido à pressão externa.
Para os especialistas, isso pode gerar uma “lacuna motivacional” após o sucesso, especialmente quando o atleta não desenvolveu uma relação com o esporte que vai além dos resultados. Alberto de Castro Pochini, professor do Departamento de Ortopedia e Medicina Esportiva da EPM/UNIFESP, explica que, em atletas jovens, a forma como a motivação é construída nas fases iniciais pode determinar sua relação futura com a prática esportiva:
— De acordo com a Teoria da Motivação de Realização, quando o foco está apenas em vencer, há maior risco de ansiedade, esgotamento e abandono precoce. Já ambientes que valorizam o aprendizado e o progresso pessoal fortalecem a motivação intrínseca e o vínculo positivo com a prática.
Estratégias para evitar a desmotivação
O principal caminho para evitar esse “vazio” após uma conquista é, desde o início, o jovem atleta ser instruído a valorizar o processo, e não apenas a competição e o resultado. Dessa maneira, o foco passa a estar no aprendizado diário, no progresso individual, e a motivação deixa de depender de uma medalha ao fim da temporada, tornando a prática mais prazerosa e sustentável.
Algumas estratégias, sugerem Liliane e Pochini, são oferecer feedback positivo e específico constante, propor metas de progresso em vez de apenas metas de resultado e reconhecer o empenho mesmo diante de desafios não superados. O objetivo é valorizar o aprendizado, a cooperação e a evolução constante, reduzindo a pressão competitiva e potencializando o engajamento contínuo.
Eles explicam que, com base na Teoria da Autodeterminação, é essencial favorecer três necessidades psicológicas básicas para isso: autonomia, ou seja, dar voz ao atleta nas decisões e treinos; competência, que é adequar desafios ao nível da sua habilidade, e pertencimento, que envolve criar um ambiente de apoio e respeito. Assim, diminui-se a ansiedade por desempenho e o risco de abandono precoce do esporte, especialmente nos momentos de transição da temporada.
— É importante também que se deixe os jovens serem felizes no esporte sem tanta cobrança e pressão sobre resultados. É um momento de se divertir, se descobrir, se desenvolver. Quando a motivação é apenas o resultado, há muito mais chance de a criança ou o adolescente se decepcionar e perder o prazer daquela prática esportiva — complementa Fernanda.
Novas metas também são importantes
Embora esse processo seja indispensável para que a motivação do atleta não se torne dependente dos objetivos, os especialistas também apontam que traçar novas metas é parte importante da estratégia para manter os jovens engajados no esporte. Pensar em planos de longo prazo ajuda a superar o “vazio” e redirecionar os esforços para a próxima etapa, criando um novo ciclo de interesse.
— Sempre ter uma nova meta em mente, algo novo a seguir, estabelecendo novos objetivos e pensando a longo prazo. Quando não há uma nova meta, lidar com a derrota pode ser até mais fácil do que lidar com a euforia da vitória. Porque a derrota traz frustração, um certo desânimo, mas muitas vezes te ensina alguma coisa e não te satisfaz, então funciona como uma motivação para o atleta melhorar e atingir seu objetivo — afirma Zaremba.
Para Fernanda, ao unir todas essas táticas é possível crescer no esporte de forma saudável e consistente, diminuindo as chances de a criança ou o adolescente abandonarem a prática e mantendo os inúmeros benefícios que as atividades esportivas têm para a formação do indivíduo:
— Reavaliando as metas, ajustando as intensidades, valorizando mais o processo e a evolução pessoal, e não apenas os resultados atingidos, as chances são muito maiores de termos jovens mais saudáveis fisicamente e mentalmente e com mais convicção e aderência aos esportes.
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